quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Chico Buarque, Carolina.

Carolina, nos seus olhos fundos guarda tanta dor, a dor de todo esse mundo
Eu já lhe expliquei, que não vai dar, seu pranto não vai nada ajudar
Eu já convidei para dançar, é hora, já sei, de aproveitar
Lá fora, amor, uma rosa nasceu, todo mundo sambou, uma estrela caiu
Eu bem que mostrei sorrindo, pela janela, ah que lindo
Mas Carolina não viu...
Carolina, nos seus olhos tristes, guarda tanto amor, o amor que já não existe,
Eu bem que avisei, vai acabar, de tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar, agora não sei como explicar
Lá fora, amor, uma rosa morreu, uma festa acabou, nosso barco partiu
Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela e só Carolina não viu.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Sonho


Não ando dormindo bem ultimamente; mas é sobre isso, exatamente, que pretendo falar. É quando parece que vou pegar no sono que acontece. Eu disse “parece que vou pegar no sono” porque não passa disso. De uns tempos pra cá, tenho cada vez mais a impressão, a sensação, de que estou dormindo e, no entanto, no meu sonho eu sonho com meu quarto, que estou dormindo e que tudo está no mesmo lugar onde deixei quando fui pra cama. O jornal caído no chão, a garrafa de cerveja vazia em cima da cômoda, meu único peixinho dourado circulando devagar no fundo do aquário, todas essas coisas tão íntimas que parecem que já fazem parte de mim como o meu cabelo. E muitas vezes, quando NÃO estou dormindo, deitado na cama, olhando pras paredes, cochilando, esperando pra dormir, é freqüente me perguntar: ainda estou acordado ou já peguei no sono e sonho com meu quarto?

Tem acontecido muita coisa ruim ultimamente. Mortes; cavalos correndo mal; dor de dente; hemorragias, sem falar noutras coisas que não convém mencionar. Volta e meia me vem a sensação de que, ora, pior é que não pode ficar. E aí eu penso, bem, pelo menos você tem onde morar. Não anda aí pela rua. Houve tempo em que não me importava com isso. Hoje acharia insuportável. São poucas as coisas que ainda acho suportáveis. Já fui alfinetado, lancetado, é, inclusive bombardeado… com tanta frequência que simplesmente não agüento mais; não conseguiria enfrentar outro fogo cerrado.

Henry Charles Bukowski Jr.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

(...)E na hora que a televisão brasileira, distrai toda gente com a sua novela,
É que o Zé põe a boca no mundo,
Ele faz um discurso profundo,
Ele quer ver o bem da favela.
Está nascendo um novo líder,
No morro do Pau da Bandeira.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Onde anda você?

E por falar em saudade onde anda você
Onde andam seus olhos que a gente não vê
Onde anda esse corpo
Que me deixou louco de tanto prazer
E por falar em beleza onde anda a canção
Que se ouvia na noite dos bares de então
Onde a gente ficava,onde a gente se amava
Em total solidão
Hoje eu saio na noite vazia
Numa boemia sem razão de ser
Na rotina dos bares,que apesar dos pesares,
Me trazem você
E por falar em paixão, em razão de viver,
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares, na noite, nos bares
Onde anda você?



- Vinicius de Moraes

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. 
A alma é que estraga o amor. 
Só em Deus ela pode encontrar satisfação. 
Não noutra alma. 
Só em Deus - ou fora do mundo. 
As almas são incomunicáveis. 
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. 
Porque os corpos se entendem, mas as almas não

— Manuel Bandeira

domingo, 4 de dezembro de 2011

Crua

Amanheci áspera.
O café está muito quente, me queima toda vez o tomo, mas não me importo. Queima minha língua. Vai queimando. 
Queima tudo o que há dentro de mim, todos os vestígios de fragilidades que restavam. Vestígios, somente.
Queima a doce menina, fazendo com que surja uma mulher. Eis que surge uma mulher! Fragmentada pelos desenlaces da vida. 
Não temo  as chuvas tempestivas, nem mesmo as grandes ventanias. Pois aprendi com Clarice, que dizia que sua força está na solidão. 
Respiro, calmamente. É assim que entra e sai o ar dos meu pulmões. É areento. Fazendo com que eu me queime mais com meu café, destruindo todo o resto. 
Aprendi que nesta vida o que nos resta queima. 
Renata Cruz

sábado, 26 de novembro de 2011

Lá estava ela, rodeada de pessoas, mas sempre tão sozinha, sempre tão cheia de si.  Repousara sempre em seu próprio ego, encontrava refúgio em si mesma. Não terminara nada, por onde passava deixava sua marca de algo inacabado. 
Sempre se mantendo fria e distante como se fosse uma pintura exposta. 
Dizia não precisar de ninguém para lhe completar, pois já mantinha um vida cheia de plenitude. Contudo todos sabiam, no fundo, a moça esperava alguém que a tirasse do inacabado. 
...Silenciosamente, ela esperava.


Renata Cruz

sábado, 19 de novembro de 2011

A carta

Tom, meu querido.
Tenho muitas coisas para lhe contar, mas acredito eu que certas coisas devera ser dita sem pressa, assim como me encontro no momento escrevendo-lhe esta, nessa madrugada fria, sentada em minha cama, apoiando meu papel em uma prancheta, enquanto calmamente trago o meu quarto cigarro a sentir o vento que pela janela entra e bate friamente em meu rosto. Ouço as folhas caírem lá fora e é como se você estivesse chegando com seus passos lentos.
Ainda me lembro de quando nos despedimos naquela noite, a quatro anos atrás, você me dissera que voltaria, que jamais me deixara sozinha. Mas os anos estão a se passar e onde está você agora, que nem um cartão-postal eis de me enviar, meu querido?
Eu costumava rezar todas as noites por você, eu pedia a Deus que lhe trouxesse de volta pra mim. A sua poltrona ainda continua no mesmo lugar, com a mesma mancha de café feita por você naquela manhã de domingo enquanto lia seu jornal, ninguém nunca ousara de sentar nela. Sua adega ainda contém os mesmos vinhos, provavelmente devam estar excelentes. Até mesmo a sua bicicleta velha continua jogada no jardim, daquela mesma forma que havia deixado assim que chegamos do nosso ultimo passeio no parque.
Hoje, depois de tantas noites vazias e solitárias, decidi que não devo esperar mais e resolvi escrever-lhe esta cancelando o nosso encontro.
Mas, espere!
Devo contar-lhe outra coisa que tu não souberas. Eu adorava aquele primeiro sorriso que você me dava logo de manhã enquanto abria nossa janela de madeira velha e barulhenta. O sol iluminava o seu rosto. 

...As manhãs têm sido nebulosas. 
 Renata Cruz

domingo, 6 de novembro de 2011

Esmeralda (A manhã do fim)

Quando pequena, eu amava as tardes de tempestade. Ficava horas sentada numa cadeira vermelha de ferro batido, no meio do quintal da casa onde vivia, vendo o vento passar uivando entre os galhos das árvores, a fúria das farpas prateadas da água que caía, o balé de néon dos raios, a ameaça sonora dos trovões. Morávamos numa vila na Penha, Zona Norte do Rio, numa casinha de tenente, com varandinha e canteiros cheios de rosas brancas e primaveras que minha mãe plantava no hardim, tendo atrás um quintal com duas mangueiras, uma goiabeira e um coqueiro-anão. Perto das árvores, um pequeno quarador e o varal de roupas. Ao se preparar, a tempestade instantaneamente mudava as cores da tarde, escurecendo os laranjas, os azuis, o ar dourado, e essa mudança drástica, cheia de presságios, era a indicação de algo excepcional preste a acontecer. Se era um tempestade forte, o coqueiro balançava e as folhas das mangueiras caíam, num desamparo sem disfarce nem saídas. Quanto mais bravia, mais água e ventania, mais trovões e raios, mais escuridão fechando a tarde em seu cerco; quanto mais dramática a demonstração da força sem controle da natureza, maior era meu encantamento.
Ficava como hipnotizada, debaixo da chuva, me encharcando até os ossos. 
Tão hipnotizada que, naquela tarde, não vi quando ele chegou por trás. 
Imagino que, naquela tarde eu ainda fosse uma menininha normal, mas não sei ao certo. O que sei com certeza é que era muito, muito pequena, embora não possa precisar se tinha sete ou oito anos. Jamais quis fazer essa conta certa. 
É o que menos importa nisso tudo, minha idade certa. 

Silveira, Maria José
O fantasma de Luís Buñuel - Pag. 280 a 281, São Paulo : Francis 2004.

domingo, 30 de outubro de 2011

Lúgubre

Silêncio - estado de quem se cala; interrupção de correspondência epistolar; ausência de ruído, sossego, calma; sigilo, segredo.E numa fração de segundos tudo se calou, interrompendo o som que os grilos faziam perto do rio. Calou-se a noite; calaram-se as mãos em forma de segredo, de forma que corpo e alma permanecera em apnéia, anestesia de sentimentos. Ela o viu fechar os olhos, e sem entender repetiu o ato, sentira de seu olho esquerdo escorregar a primeira gota, decorrente do sentimento de perda e o frio na espinha.

De repente ouvia-se gotas de chuvas a cair na terra que já árida se encontrava, seus olhos permanecera fechados por longos minutos, enquanto ouvia o som das gotas aumentarem, enquanto subia o aroma da terra que recebia aquela chuva, chuva essa que a moça deseja tanto que lavasse sua alma, mas nada adiantara. Ainda ali, sua respiração ia a ficar cada vez mais profunda, seus olhos lacrimejavam, era questão de segundos e sentira  seu olho esquerdo escorregar a primeira gota, decorrente do sentimento de perda e o frio na espinha. O vento gelado entrava por sua janela se batendo contra seu rosto pálido e demasiado entristecido. 

Renata Cruz