domingo, 6 de novembro de 2011

Esmeralda (A manhã do fim)

Quando pequena, eu amava as tardes de tempestade. Ficava horas sentada numa cadeira vermelha de ferro batido, no meio do quintal da casa onde vivia, vendo o vento passar uivando entre os galhos das árvores, a fúria das farpas prateadas da água que caía, o balé de néon dos raios, a ameaça sonora dos trovões. Morávamos numa vila na Penha, Zona Norte do Rio, numa casinha de tenente, com varandinha e canteiros cheios de rosas brancas e primaveras que minha mãe plantava no hardim, tendo atrás um quintal com duas mangueiras, uma goiabeira e um coqueiro-anão. Perto das árvores, um pequeno quarador e o varal de roupas. Ao se preparar, a tempestade instantaneamente mudava as cores da tarde, escurecendo os laranjas, os azuis, o ar dourado, e essa mudança drástica, cheia de presságios, era a indicação de algo excepcional preste a acontecer. Se era um tempestade forte, o coqueiro balançava e as folhas das mangueiras caíam, num desamparo sem disfarce nem saídas. Quanto mais bravia, mais água e ventania, mais trovões e raios, mais escuridão fechando a tarde em seu cerco; quanto mais dramática a demonstração da força sem controle da natureza, maior era meu encantamento.
Ficava como hipnotizada, debaixo da chuva, me encharcando até os ossos. 
Tão hipnotizada que, naquela tarde, não vi quando ele chegou por trás. 
Imagino que, naquela tarde eu ainda fosse uma menininha normal, mas não sei ao certo. O que sei com certeza é que era muito, muito pequena, embora não possa precisar se tinha sete ou oito anos. Jamais quis fazer essa conta certa. 
É o que menos importa nisso tudo, minha idade certa. 

Silveira, Maria José
O fantasma de Luís Buñuel - Pag. 280 a 281, São Paulo : Francis 2004.

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