domingo, 30 de outubro de 2011

Lúgubre

Silêncio - estado de quem se cala; interrupção de correspondência epistolar; ausência de ruído, sossego, calma; sigilo, segredo.E numa fração de segundos tudo se calou, interrompendo o som que os grilos faziam perto do rio. Calou-se a noite; calaram-se as mãos em forma de segredo, de forma que corpo e alma permanecera em apnéia, anestesia de sentimentos. Ela o viu fechar os olhos, e sem entender repetiu o ato, sentira de seu olho esquerdo escorregar a primeira gota, decorrente do sentimento de perda e o frio na espinha.

De repente ouvia-se gotas de chuvas a cair na terra que já árida se encontrava, seus olhos permanecera fechados por longos minutos, enquanto ouvia o som das gotas aumentarem, enquanto subia o aroma da terra que recebia aquela chuva, chuva essa que a moça deseja tanto que lavasse sua alma, mas nada adiantara. Ainda ali, sua respiração ia a ficar cada vez mais profunda, seus olhos lacrimejavam, era questão de segundos e sentira  seu olho esquerdo escorregar a primeira gota, decorrente do sentimento de perda e o frio na espinha. O vento gelado entrava por sua janela se batendo contra seu rosto pálido e demasiado entristecido. 

Renata Cruz

A mais linda mulher da cidade

Das 5 irmãs, Cass era a mais moça e a mais bela. E a mais linda mulher da cidade. Mestiça de índia, de corpo flexível, estranho, sinuoso que nem cobra e fogoso como os olhos: um fogaréu vivo ambulante. Espírito impaciente para romper o molde incapaz de retê-lo. Os cabelos pretos, longos e sedosos, ondulavam e balançavam ao andar. Sempre muito animada ou então deprimida, com Cass não havia esse negócio de meio termo. Segundo alguns, era louca. Opinião de apáticos. Que jamais poderiam compreendê-la. Para os homens, parecia apenas uma máquina de fazer sexo e pouco estavam ligando para a possibilidade de que fosse maluca. E passava a vida a dançar, a namorar e beijar. Mas, salvo raras exceções, na hora agá sempre encontrava forma de sumir e deixar todo mundo na mão.
As irmãs a acusavam de desperdiçar sua beleza, de falta de tino; só que Cass não era boba e sabia muito bem o que queria: pintava, dançava, cantava, dedicava-se a trabalhos de argila e, quando alguém se feria, na carne ou no espírito, a pena que sentia era uma coisa vinda do fundo da alma. A mentalidade é que simplesmente destoava das demais: nada tinha de prática. Quando seus namorados ficavam atraídos por ela, as irmãs se enciumavam e se enfureciam, achando que não sabia aproveitá-los como mereciam. Costumava mostrar-se boazinha com os feios e revoltava-se contra os considerados bonitos — “uns frouxos”, dizia, “sem graça nenhuma. Pensam que basta ter orelhinhas perfeitas e nariz bem modelado… Tudo por fora e nada por dentro…” Quando perdia a paciência, chegava às raias da loucura; tinha um gênio que alguns qualificavam de insanidade mental.
O pai havia morrido alcoólatra e a mãe fugira de casa, abandonando as filhas. As meninas procuraram um parente, que resolveu interná-las num convento. Experiência nada interessante, sobretudo para Cass. As colegas eram muito ciumentas e teve que brigar com a maioria. Trazia marcas de lâmina de gilete por todo o braço esquerdo, de tanto se defender durante suas brigas. Guardava, inclusive, uma cicatriz indelével na face esquerda, que em vez de empanar-lhe a beleza, só servia para realçá-la.
Conheci Cass uma noite no West End Bar, Fazia vários dias que tinha saído do convento. Por ser a caçula entre as irmãs, fora a última a sair. Simplesmente entrou e sentou do meu lado. Eu era provavelmente o homem mais feio da cidade — o que bem pode ter contribuído.
— Quer um drinque? — perguntei.
— Claro, por que não?
Não creio que houvesse nada de especial na conversa que tivemos essa noite. Foi mais a impressão que causava. Tinha me escolhido e ponto final. Sem a menor coação. Gostou da bebida e tomou varias doses. Não parecia ser de maior idade, mas, não sei como, ninguém se recusava a servi-la. Talvez tivesse carteira de identidade falsa, sei lá. O certo é que toda vez que voltava do toalete para sentar do meu lado, me dava uma pontada de orgulho. Não só era a mais linda mulher da cidade como também das mais belas que vi em toda minha vida. Passei-lhe o braço pela cintura e dei-lhe um beijo.
— Me acha bonita? — perguntou.
— Lógico que acho, mas não é só isso… é mais que uma simples questão de beleza…
— As pessoas sempre me acusam de ser bonita. Acha mesmo que eu sou?
— Bonita não é bem o termo, e nem te faz justiça.
Cass meteu a mão na bolsa. Julguei que estivesse procurando um lenço. Mas tirou um longo grampo de chapéu. Antes que pudesse impedir, já tinha espetado o tal grampo, de lado, na ponta do nariz. Senti asco e horror.
Ela me olhou e riu.
— E agora, ainda me acha bonita? O que é que você acha agora, cara?
Puxei o grampo, estancando o sangue com o lenço que trazia no bolso. Diversas pessoas, inclusive o sujeito que atendia no balcão, tinham assistido a cena. Ele veio até a mesa:
— Olha — disse para Cass, — se fizer isso de novo, vai ter que dar o fora. Aqui ninguém gosta de drama.
— Ah, vai te foder, cara!
— É melhor não dar mais bebida pra ela — aconselhou o sujeito.
— Não tem perigo — prometi.
— O nariz é meu — protestou Cass, — faço dele o que bem entendo.
— Não faz, não — retruquei, — porque isso me dói.
— Quer dizer que eu cravo o grampo no nariz e você é que sente dor?
— Sinto, sim. Palavra.
— Está bem, pode deixar que eu não cravo mais. Fica sossegado.
Me beijou, ainda sorrindo e com o lenço encostado no nariz. Na hora de fechar o bar, fomos para onde eu morava. Tinha um pouco de cerveja na geladeira e ficamos lá sentados, conversando. E só então percebi que estava diante de uma criatura cheia de delicadeza e carinho. Que se traia sem se dar conta. Ao mesmo tempo que se encolhia numa mistura de insensatez e incoerência. Uma verdadeira preciosidade. Uma jóia, linda e espiritual. Talvez algum homem, uma coisa qualquer, um dia a destruísse para sempre. Fiquei torcendo para que não fosse eu.
Deitamos na cama e, depois que apaguei a luz, Cass perguntou:
— Quando é que você quer transar? Agora ou amanhã de manhã?
— Amanhã de manhã — respondi, — virando de costas pra ela.
No dia seguinte me levantei e fiz dois cafés. Levei o dela na cama.
Deu uma risada.                                     
— Você é o primeiro homem que conheço que não quis transar de noite.
— Deixa pra lá — retruquei, — a gente nem precisa disso.
— Não, pára aí, agora me deu vontade. Espera um pouco que não demoro.
Foi até o banheiro e voltou em seguida, com uma aparência simplesmente sensacional — os longos cabelos pretos brilhando, os olhos e a boca brilhando, aquilo brilhando… Mostrava o corpo com calma, como a coisa boa que era. Meteu-se em baixo do lençol.
— Vem de uma vez, gostosão.
Deitei na cama.
Beijava com entrega, mas sem se afobar. Passei-lhe as mãos pelo corpo todo, por entre os cabelos. Fui por cima. Era quente e apertada. Comecei a meter devagar, compassadamente, não querendo acabar logo. Os olhos dela encaravam, fixos, os meus.
— Qual é o teu nome? — perguntei.
— Porra, que diferença faz? — replicou.
Ri e continuei metendo. Mais tarde se vestiu e levei-a de carro de novo para o bar. Mas não foi nada fácil esquecê-la. Eu não andava trabalhando e dormi até às 2 da tarde. Depois levantei e li o jornal. Estava na banheira quando ela entrou com uma folhagem grande na mão — uma folha de inhame.
— Sabia que ia te encontrar no banho — disse, — por isso trouxe isto aqui pra cobrir esse teu troço aí, seu nudista.
E atirou a folha de inhame dentro da banheira.
— Como adivinhou que eu estava aqui?
— Adivinhando, ora.
Chegava quase sempre quando eu estava tomando banho. O horário podia variar, mas Cass raramente se enganava. E tinha todos os dias a folha de inhame. Depois a gente trepava.
Houve uma ou duas noites em que telefonou e tive que ir pagar a fiança para livrá-la da detenção por embriaguez ou desordem.
— Esses filhos da puta — disse ela, — só porque pagam umas biritas pensam que são donos da gente.
— Quem topa o convite já está comprando barulho.
— Imaginei que estivessem interessados em mim e não apenas no meu corpo.
— Eu estou interessado em você e também no seu corpo. Mas duvido muito que a maioria não se contente com o corpo.
Me ausentei seis meses da cidade, vagabundeei um pouco e acabei voltando. Não esqueci Cass, mas a gente havia discutido por algum motivo qualquer e me deu vontade de zanzar por aí. Quando cheguei, supus que tivesse sumido, mas nem fazia meia hora que estava sentado no West End Bar quando entrou e veio sentar do meu lado.
— Como é, seu sacana, pelo que vejo já voltou.
Pedi bebida para ela. Depois olhei. Estava com um vestido de gola fechada. Cass jamais tinha andado com um traje desses. E logo abaixo de cada olheira, espetados, havia dois grampos com ponta de vidro. Só dava para ver as pontas, mas os grampos, virados para baixo, estavam enterrados na carne do rosto.
— Porra, ainda não desistiu de estragar sua beleza?
— Que nada, seu bobo, agora é moda.
— Pirou de vez.
— Sabe que sinto saudade — comentou.
— Não tem mais ninguém no pedaço?
— Não, só você. Mas agora resolvi dar uma de puta. Cobro dez pratas. Pra você, porém, é de graça.
— Tira esses grampos daí.
— Negativo. É moda.
— Estão me deixando chateado.
— Tem certeza?
— Claro que tenho, pô.
Cass tirou os grampos devagar e guardou na bolsa.
— Por que é que faz tanta questão de esculhambar o teu rosto? — perguntei. — Quando vai se conformar com a idéia de ser bonita?
— Quando as pessoas pararem de pensar que é a única coisa que eu sou. Beleza não vale nada e depois não dura. Você nem sabe a sorte que tem de ser feio. Assim, quando alguém simpatiza contigo, já sabe que é por outra razão.
— Então tá. Sorte minha, né?
— Não que você seja feio. Os outros é que acham. Até que a tua cara é bacana.
— Muito obrigado.
Tomamos outro drinque.
— O que anda fazendo? — perguntou.
— Nada. Não há jeito de me interessar por coisa alguma. Falta de ânimo.
— Eu também. Se fosse mulher, podia ser puta.
— Acho que não ia gostar de um contato tão íntimo com tantos caras desconhecidos. Acaba enchendo.
— Puro fato, acaba enchendo mesmo. Tudo acaba enchendo.
Saímos juntos do bar. Na rua as pessoas ainda se espantavam com Cass. Continuava linda, talvez mais do que antes.
Fomos para o meu endereço. Abri uma garrafa de vinho e ficamos batendo papo. Entre nós dois a conversa sempre fluía espontânea. Ela falava um pouco, eu prestava atenção, e depois chegava a minha vez. Nosso diálogo era sempre assim, simples, sem esforço nenhum. Parecia que tínhamos segredos em comum. Quando se descobria um que valesse a pena, Cass dava aquela risada — da maneira que só ela sabia dar. Era como a alegria provocada por uma fogueira. Enquanto conversávamos, fomos nos beijando e aproximando cada vez mais. Ficamos com tesão e resolvemos ir para a cama, Foi então que Cass tirou o vestido de gola fechada e vi a horrenda cicatriz irregular no pescoço — grande e saliente.
— Puta que pariu, criatura — exclamei, já deitado. — Puta que pariu. Como é que você foi me fazer uma coisa dessas?
— Experimentei uma noite, com um caco de garrafa. Não gosta mais de mim? Deixei de ser bonita?
Puxei-a para a cama e dei-lhe um beijo na boca. Me empurrou para trás e riu.
— Tem homens que me pagam as dez pratas, aí tiro a roupa e desistem
de transar. E eu guardo o dinheiro pra mim. É engraçadíssimo.
— Se é — retruquei, — estou quase morrendo de tanto rir… Cass, sua cretina, eu amo você… mas pára com esse negócio de querer se destruir. Você é a mulher mais cheia de vida que já encontrei.
Beijamos de novo. Começou a chorar baixinho. Sentia-lhe as lágrimas no rosto. Aqueles longos cabelos pretos me cobriam as costas feito mortalha. Colamos os corpos e começamos a trepar, lenta, sombria e maravilhosamente bem.
Na manhã seguinte acordei com Cass já em pé, preparando o café. Dava a impressão de estar perfeitamente calma e feliz. Até cantarolava. Fiquei ali deitado, contente com a felicidade dela. Por fim veio até a cama e me sacudiu.
— Levanta, cafajeste! Joga um pouco de água fria nessa cara e nessa pica e vem participar da festa!
Naquele dia convidei-a para ir à praia de carro. Como estávamos na metade da semana e o verão ainda não tinha chegado, encontramos tudo maravilhosamente deserto. Ratos de praia, com a roupa em farrapos, dormiam espalhados pelo gramado longe da areia. Outros, sentados em bancos de pedra, dividiam uma garrafa de bebida tristonha. Gaivotas esvoaçavam no ar, descuidadas e no entanto aturdidas. Velhinhas de seus 70 ou 80 anos, lado a lado nos bancos, comentavam a venda de imóveis herdados de maridos mortos há muito tempo, vitimados pelo ritmo e estupidez da sobrevivência. Por causa de tudo isso, respirava-se uma atmosfera de paz e ficamos andando, para cima e para baixo, deitando e espreguiçando-nos na relva, sem falar quase nada. Com aquela sensação simplesmente gostosa de estar juntos. Comprei sanduíches, batata frita e uns copos de bebida e nos deixamos ficar sentados, comendo na areia. Depois me abracei a Cass e dormimos encostados um no outro durante quase uma hora. Não sei por quê, mas foi melhor do que se tivessemos transado. Quando acordamos, voltamos de carro para onde eu morava e fiz o jantar. Jantamos e sugeri que fossemos para a cama. Cass hesitou um bocado de tempo, me olhando, e ao respondeu, pensativa:
— Não.
Levei-a outra vez até o bar, paguei-lhe um drinque e vim-me embora. No dia seguinte encontrei serviço como empacotador numa fábrica e passei o resto da semana trabalhando. Andava cansado demais para cogitar de sair à noite, mas naquela sexta-feira acabei indo ao West End Bar. Sentei e esperei por Cass. Passaram-se horas. Depois que já estava bastante bêbado, o sujeito que atendia no balcão me disse:
— Uma pena o que houve com sua amiga.
— Pena por quê? — estranhei.
— Desculpe. Pensei que soubesse.
— Não.
— Se suicidou. Foi enterrada ontem.
— Enterrada? — repeti.
Estava com a sensação de que ela ia entrar a qualquer momento pela porta da rua. Como poderia estar morta?
— Sim, pelas irmãs.
— Se suicidou? Pode-se saber de que modo?
— Cortou a garganta.
— Ah. Me dá outra dose.
Bebi até a hora de fechar. Cass, a mais bela das 5 irmãs, a mais linda mulher da cidade. Consegui ir dirigindo até onde morava. Não parava de pensar. Deveria ter insistido para que ficasse comigo em vez de aceitar aquele “não”. Todo o seu jeito era de quem gostava de mim. Eu é que simplesmente tinha bancado o durão, decerto por preguiça, por ser desligado demais. Merecia a minha morte e a dela. Era um cão. Não, para que pôr a culpa nos cães? Levantei, encontrei uma garrafa de vinho e bebi quase inteira. Cass, a garota mais linda da cidade, morta aos vinte anos.
Lá fora, na rua, alguém buzinou dentro de um carro. Uma buzina fortíssima, insistente. Bati a garrafa com força e gritei:
— MERDA! PÁRA COM ISSO, SEU FILHO DA PUTA!
A noite foi ficando cada vez mais escura e eu não podia fazer mais nada.

(do livro “Crônica de um Amor Louco” ;L&PM Editores. Tradução: Milton Persson)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Transposição

Sociedade,  o foco do olhar iludido e  falsa alienação.

Você nasce escutando a belíssima frase Vamos salvar o mundo!. mas há uma dúvida, vamos salvar o mundo de que, do próprio homem? É isso? 
Você cresce querendo ser um super herói, mas a única coisa que você faz, todo o tempo, é destruir a si próprio e a todos que a sua volta estão. 
Você vive mascarado, produzindo uma acumulação de espetáculos rejeitando a verdade profana.  


Eis porque nossos valores mais profundos têm dificuldade de sobreviver em uma sociedade do espetáculo, porque a verdade e a transparência, que tornam a vida realmente humana, dela são banidas e os valores enterrados sob o escombro das aparências e da mentira que separam em vez de unir.

sábado, 15 de outubro de 2011

Benevolência


    "...Quando eu te vejo e me desvio cauto 
    Da luz de fogo que te cerca, ó bela, 
    Contigo dizes, suspirando amores: 
    — "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"
    Como te enganas! meu amor, é chama 
    Que se alimenta no voraz segredo, 
    E se te fujo é que te adoro louco... 
    És bela — eu moço; tens amor, eu — medo..."
    Amor e medo,  Cassimiro de Abreu
    Lá estavam eles, mais uma vez dentre suas paredes de vidro, dentre rápidos olhares que se desviavam ao perceber que o mesmo estava sendo correspondido, era assim todos os dias, incansavelmente. As palavras trocadas nunca se passavam de meros cumprimentos, mas havia ali uma vontade de saber como ia a vida do outro, como estava o trabalho, o coração, ah o coração, esse sim era de fundamental importância para a moça. 
    Ele adorava falar de sua glória, do modo inveterado como arrumava sua gravata, tomava o seu vinho e escutava suas músicas clássicas e diga-se de passagem, de muito bom gosto. Enquanto isso a moça ali afixava seus olhos atentamente nos movimentos precisos feitos pelos lábios dele, estava atenta a cada palavra dita, anotava-as precisamente em seu caderno, decorava todas a notas que saíra da boca do moço.  Estavam sendo longos os dias, desde que ele havia aparecido. Mas aquela presença, aquele ego e aquele olhar silencioso nela predominaria por longas datas, ainda que isso não passasse de ligeiros e  silenciosos olhares.
    Renata Cruz

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Thursday, October 12

57,6 quilos (ruim), 3 unidades alcoólicas (tão saudável quanto normal), 13 cigarros,17 unidades de gordura (fiquei pensando se é possível calcular a quantidade de unidades de gordura do corpo inteiro; (espero que não), 3 bilhetes de loterias instantânea (ótimo), 12 ligações para o 1471 para ver ser Mark Darcy ligou (melhor).

Argh. Elogiada por um artigo no jornal por uma jornalista do grupo dos bem-casados. O título tinha uma ironia sutil, estilo Frankie Howard: "As alegrias de ser solteiro."
"Eles são jovens, ambiciosos e ricos, mas suas vidas escondem uma dolorosa solidão. (...) Quando saem do trabalho, enfrentam uma enorme carência emocional. (...) Pessoa que têm uma vida solitária procuram consolo em comida enlatada, desejando que seja igual àquela que suas mães faziam."
Argh. Droga. Pode me informar como é que a Sra. Bem-Casada aos 22 anos pode saber disso?
Vou escrever um artigo com bases nas "dezenas de conversas" que tive com as bem-casadas: "Quando saem do trabalho, elas caem aos prantos porque, apensar de exaustas, precisam descascar batatas e lavar toda a roupa na máquina enquanto seus maridos barrigudos e bêbados assistem ao jogo de futebol na tevê, dão um arroto e pedem mais um prato de batata frita. Há noites em que elas, na cozinha com seu aventalziho chinfrim, ficam muito deprimidas porque o marido ligou avisando que está de plantão outra vez, mas elas escutam ao fundo farfalhar de um vestido de seda e a voz sensual de uma típica solteira."
Depois do trabalho, fui me encontrar com Sharon, Jude e Tom. Ele também estava pensando em escrever um artigo irritado sobre as carências emocionais dos bem-casados.
O artigo de Tom diria, inflamado: "Os casados influenciam tudo, desde o tipo de moradia que se constrói ao tipo de comida que enche as prateleiras dos supermercados. Vemos por todos lados lojas Anne Summers oferecendo artigos para donas de casa tentando de forma patética simular o sexo excitante praticado pelos solteiros, e as lojas Mark e Spencer têm comidas cada vez mais exótica para casais exaustos fingirem que estão em um maravilhoso restaurante como os solteiros e que depois não precisam lavar a louça."
– Não aguento mais essa queda-de-braço a respeito de ser solteira! –  rosnou Sharon.
– Eu também ão, eu também não! concordei.
– Você se esqueceu de falar da babaquice emocioal –  acrescentou Jude. – Sempre há babaquice emocional.
– Mas não estamos sós. Temos nossa família extensa formada pela rede de amigos com quem falamos ao telefone - disse Tom.
– Isso mesmo, viva! Os solteiros deviam ser obrigados a se explicar o tempo todo, deviam ter um status adquirido, como as gueixas - disse eu, muito satisfeita, dando mais um gole no meu Chardonnay chileno.
–  Gueixas? - perguntou Sharon, fazendo um olhar gélido.
–  Fiquei quieta, Bridget –  mandou Tom. –  Você está bêbada. Está tentando afogar sua carência emocional na bebida.
–  Bom, a Sharon também –  retruquei.
–  Não estou –  disse Sharon.
–  Tá sim –  insisti.
–  Escutaqui –  apartou Jude. –  Vampdimasum Chardonnay?

O diário de Bridget Jones. (Pag 249 a 151)

domingo, 9 de outubro de 2011

Martírio


Angustia (an-gús-tia): s.f. Ansiedade física acompanhada de opressão dolorosa: os estremecimentos da angústia. Inquietude profunda que oprime o coração: uma angústia mortal. Filosofia. Experiência metafísica, para os filósofos existencialistas, através da qual o homem toma consciência do ser. (Sin.: agonia, ansiedade, apreensão, aperto.)


Você olha para o relógio na parede e as horas parecem não passar. Você olha para o sol, ele se abre, se fecha aparece a lua, você cria uma esperança, mas não, nada se muda. Então lá está você se deixando escorrer pela cama, navegando pela própria nostalgia de viver, vomitando palavras nas folhas brancas de seu caderno, se ostentando no seu mar de solidão. 
Relembra-se cenas vividas, cria-se em sua mente diálogos que  jamais existirão, mais uma vez nasce então aquela esperança de que possa acontecer alguma coisa entre vocês, mas é uma pseudo-esperança, porque no fundo de você sabe, não há de existir nada, nunca haverá nada. Mais uma vez aquela lástima volta a preencher os seus olhos e escorrer pela sua face. 
Eis que surgem as perguntas no seu caderno mal escrito; – Porque tem de ser assim? –  Porque eu tenho de ser assim? 
Não há resposta, você não entende nada, mas mesmo assim continua, continua com as mesmas esperanças, com aquele mesmo caderno velho de versos inúteis  guardado na gaveta quebrada daquela sua cômoda velha habitada em seu quarto.

Desesperados

Caminhava lentamente pelas calçadas enquanto tentava ridicularmente me proteger daquele sol e daquele calor insuportável, até chegar ao ponto de ônibus, olhava pra todas aquelas pessoas com olhares lastimáveis enquanto procurava esperançosamente um lugar para que eu pudesse me sentar. Vi então ao longe um pequeno espaço onde supostamente me caberia sentada. Sentei-me, enquanto ironicamente me desfrutava do sol e daquele vento quente em meu rosto. Logo,  me lembrei de que eu não havia passagem para embarcar no ônibus ao qual eu aguardava desesperadamente, olhei ao redor tentando enxergar algum vendedor por ali, mas não havia nenhum. Então olhei para o lado e havia um senhor olhando para o nada enquanto ouvia sua música através do seu fone de ouvido, eu não queria incomoda-lo, mas era preciso.
– O senhor tem uma passagem que possa me vender? – perguntei enquanto ele olhava a sua frente, parecendo não me ver.
Mas ele não me ouvia pois sua música estava muito alta. 
– O senhor tem uma passagem que possa me vender? – perguntei novamente. 
–Me desculpa, moça, não escutei. – disse ele de forma angustiada enquanto tirava os seus fones.
Então repeti mais uma vez: – O senhor tem uma passagem que possa me vender? 
– Não tenho. – dizia ele enquanto olhava para os lados como se tivesse procurando algo. 
– Ah, obrigada. 
Me virei para minha frente voltando a desfrutar daquele vento em meu rosto. Percebi então que logo aquele senhor saiu e caminhava desesperadamente naquele sol, caminhava de um lado para o outro, minutos depois ele voltava perguntando algo para aquelas pessoas. 
Minutos depois aquele senhor de voltava a minha frente com um sorriso dizendo:
– Moça, não achei o vendedor, mas encontrei uma moça ali que pode te vender, me acompanhe. – disse ele enquanto caminhava em direção da outra moça.
Me levantei vagarosamente, o segui até a bendita moça, percebia todos os olhares desesperados se voltando para mim, ninguém entendia aquela situação, como assim um senhor poderia estar ajudando aquela vulgo patricinha. Comprei minha passagem, agradeci gentilmente aquele senhor enquanto ele me retribuia com aquele sorriso em seu rosto. 
Voltava então para meu suposto lugar a esperar meu ônibus percebendo todos aqueles olhares cansados, desesperados e que mal conseguem te encarar, com medo de um sorriso e ter que "obrigatoriamente" lhe dar um reflexo. 
Renata Cruz

(…) Estou tão vaga, tinha vontade de fazer um embrulho de mim, com papel de seda, lacinho de fita, e mandá-lo pra você. Aceita?
Clarice Lispector