sábado, 26 de novembro de 2011

Lá estava ela, rodeada de pessoas, mas sempre tão sozinha, sempre tão cheia de si.  Repousara sempre em seu próprio ego, encontrava refúgio em si mesma. Não terminara nada, por onde passava deixava sua marca de algo inacabado. 
Sempre se mantendo fria e distante como se fosse uma pintura exposta. 
Dizia não precisar de ninguém para lhe completar, pois já mantinha um vida cheia de plenitude. Contudo todos sabiam, no fundo, a moça esperava alguém que a tirasse do inacabado. 
...Silenciosamente, ela esperava.


Renata Cruz

sábado, 19 de novembro de 2011

A carta

Tom, meu querido.
Tenho muitas coisas para lhe contar, mas acredito eu que certas coisas devera ser dita sem pressa, assim como me encontro no momento escrevendo-lhe esta, nessa madrugada fria, sentada em minha cama, apoiando meu papel em uma prancheta, enquanto calmamente trago o meu quarto cigarro a sentir o vento que pela janela entra e bate friamente em meu rosto. Ouço as folhas caírem lá fora e é como se você estivesse chegando com seus passos lentos.
Ainda me lembro de quando nos despedimos naquela noite, a quatro anos atrás, você me dissera que voltaria, que jamais me deixara sozinha. Mas os anos estão a se passar e onde está você agora, que nem um cartão-postal eis de me enviar, meu querido?
Eu costumava rezar todas as noites por você, eu pedia a Deus que lhe trouxesse de volta pra mim. A sua poltrona ainda continua no mesmo lugar, com a mesma mancha de café feita por você naquela manhã de domingo enquanto lia seu jornal, ninguém nunca ousara de sentar nela. Sua adega ainda contém os mesmos vinhos, provavelmente devam estar excelentes. Até mesmo a sua bicicleta velha continua jogada no jardim, daquela mesma forma que havia deixado assim que chegamos do nosso ultimo passeio no parque.
Hoje, depois de tantas noites vazias e solitárias, decidi que não devo esperar mais e resolvi escrever-lhe esta cancelando o nosso encontro.
Mas, espere!
Devo contar-lhe outra coisa que tu não souberas. Eu adorava aquele primeiro sorriso que você me dava logo de manhã enquanto abria nossa janela de madeira velha e barulhenta. O sol iluminava o seu rosto. 

...As manhãs têm sido nebulosas. 
 Renata Cruz

domingo, 6 de novembro de 2011

Esmeralda (A manhã do fim)

Quando pequena, eu amava as tardes de tempestade. Ficava horas sentada numa cadeira vermelha de ferro batido, no meio do quintal da casa onde vivia, vendo o vento passar uivando entre os galhos das árvores, a fúria das farpas prateadas da água que caía, o balé de néon dos raios, a ameaça sonora dos trovões. Morávamos numa vila na Penha, Zona Norte do Rio, numa casinha de tenente, com varandinha e canteiros cheios de rosas brancas e primaveras que minha mãe plantava no hardim, tendo atrás um quintal com duas mangueiras, uma goiabeira e um coqueiro-anão. Perto das árvores, um pequeno quarador e o varal de roupas. Ao se preparar, a tempestade instantaneamente mudava as cores da tarde, escurecendo os laranjas, os azuis, o ar dourado, e essa mudança drástica, cheia de presságios, era a indicação de algo excepcional preste a acontecer. Se era um tempestade forte, o coqueiro balançava e as folhas das mangueiras caíam, num desamparo sem disfarce nem saídas. Quanto mais bravia, mais água e ventania, mais trovões e raios, mais escuridão fechando a tarde em seu cerco; quanto mais dramática a demonstração da força sem controle da natureza, maior era meu encantamento.
Ficava como hipnotizada, debaixo da chuva, me encharcando até os ossos. 
Tão hipnotizada que, naquela tarde, não vi quando ele chegou por trás. 
Imagino que, naquela tarde eu ainda fosse uma menininha normal, mas não sei ao certo. O que sei com certeza é que era muito, muito pequena, embora não possa precisar se tinha sete ou oito anos. Jamais quis fazer essa conta certa. 
É o que menos importa nisso tudo, minha idade certa. 

Silveira, Maria José
O fantasma de Luís Buñuel - Pag. 280 a 281, São Paulo : Francis 2004.